terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Caso clínico: paciente com dor de cabeça e nos olhos

Esse foi um dos posts que quanto mais eu escrevia, mais eu percebia a necessidade de aprofundar o assunto. O resultado foi um dos artigos que mais precisei pesquisar mas o que mais me deu satisfação para escrever. O assunto é longo mas considero bastante interessante. Boa leitura!




Semana passada, atendi uma amiga minha que me procurou com uma queixa principal de cefaleia associada com dor retro-ocular, principalmente no olho esquerdo e sensação de peso na cabeça Além disso, relatava fotofobia. Quando terminei a primeira sessão, já pensei: "isso daria um bom post pro blog". E aqui estou eu. De que forma o osteopata enxerga esses sintomas e qual é a sua abordagem frente a esse problema?
Eu vivo dizendo e escrevendo que a osteopatia é uma terapia holística mas nada melhor que pegar um caso e descrevê-lo para todos entenderem melhor qual é esse "todo" que os osteopatas enxergam.
Vamos lá! Primeiramente, é interessante descrever como o sangue chega e sai de nosso crânio. O nosso encéfalo é irrigado por duas artérias iniciais que depois se ramificam para chegar a outras regiões. São elas: as artérias vertebrais e carótidas internas. Eu já descrevi detalhadamente o trajeto da artéria vertebral nesse post no qual eu expliquei a visão osteopática das vertigens.
Já a artéria carótida comum (ACC) é um ramo direto da aorta (do lado esquerdo) e do tronco braquicefálico (do lado direito). Na altura da 4a vértebra cervical, a ACC se divide em dois ramos: carótidas interna e externa. Esta é responsável pela irrigação de face e estruturas do pescoço, portanto, o enfoque será apenas naquela.

Vista lateral do pescoço por onde é possível apreciar as artérias carótidas comum, interna e externa e vertebral.
A artéria carótida interna (ACI) continua sua trajetória cranial e no canal carotídeo do osso temporal, adentra o crânio. De lá, ela emite alguns ramos, sendo um deles a artéria oftálmica que é responsável pela irrigação sanguínea de nossos olhos (através também de seus ramos: as artérias ciliares). Ao chegar no Polígono de Willis (ou círculo arterial cerebral), a ACI se torna as artérias cerebrais anterior e média. Há, então, o encontro do sangue enviado pelas duas artérias que eu citei no começo: a ACI e a artéria vertebral, fechando o polígono de Willis e, assim, distribuindo todo o sangue arterial para o encéfalo.

Polígono de Willis: encontro das artérias carótidas com as vertebrais

Depois que todo o sangue arterial distribuiu oxigênio para os tecidos correspondentes, é preciso que as hemácias retornem para o coração e pulmões para serem novamente oxigenadas. Aí entra o sistema venoso. Todo este sangue é drenado por dois sistemas: venosos superficial e profundo. Estes sistemas desembocam nos seios venosos da dura-máter que por sua vez drenam todo o sangue pela veia jugular interna e que, posteriormente, se junta à veia subclávia, formando as veias braquiocefálicas culminando na veia cava superior que envia o sangue para a circulação cárdio-pulmonar pelo átrio direito. Os seios venosos estão resumidos na figura abaixo para melhor apreciação.

Seios venosos da dura-máter. Os seios relevantes para esse artigo estão destacados na seta.

Novamente os seios venosos da dura-máter por um outro ângulo.

Para o post de hoje, destaco alguns deles: os seios cavernosos, petrosos superiores e inferiores e sigmóides. A drenagem do sangue ocular se dá pelas veias vorticosas e ciliares que por sua vez desembocam nas veias oftálmicas superior e inferior. Elas se juntam e passam pela fissura orbital superior do osso esfenóide e desembocam então nos seios cavernosos. Destes, o sangue vai para os seios petrosos superiores e inferiores para se dirigir aos seios sigmóides e destes para a veia jugular interna. Já esta, passa pelo forame jugular seguindo o trajeto já descrito. Ufa! Conseguiram acompanhar? Segurem-se que há mais informações!

Vascularização dos olhos

Agora há um outro sintoma que eu mencionei lá em cima: a fotofobia. Ela ocorre principalmente por uma desajuste no controle autônomo da abertura pupilar. Vocês perceberam que assim como o diafragma, o sistema neurovegetativo se encontra bastante presente nos meus posts, não é? Isso ocorre porque eles têm uma importância muito grande na osteopatia.
Quando o sistema nervoso autônomo parassimpático atua, nossa pupila se contrai (miose) pela ação do esfíncter da íris. Quando somos expostos a uma luz forte tanto ao sairmos de um local escuro quanto quando se aponta uma lanterna em nossos olhos, esse efeito ocorre. Já quando o simpático entra em ação ou o reflexo parassimpático é inibido, nossa pupila se dilata (midríase). Isso ocorre em locais com baixa luminosidade ou em situações de perigo quando precisamos que nossos olhos captem a maior quantidade de luz possível para lutar ou fugir de algum perigo.
O gânglio ciliar é o responsável pelo controle e distribuição dos nervos que se dirigem aos olhos. Passam por ele, os nervos do plexo carótico interno, o III par de nervos cranianos, o óculo-motor e o 1o ramo do nervo trigêmeo (V par de nervos cranianos), este, responsável pela inervação sensitiva do olho (ramo comunicante do nervo nasociliar).
Quem controla a ação simpática são nervos pré-sinápticos que se originam do primeiro segmento torácico (T1) e "sobem" pela cadeia simpática onde fazem sinapse (processo de condução nervosa de um neurônio para o outro) no gânglio cervical superior. De lá, os nervos pós-sinápticos seguem o mesmo caminho da artéria carótida interna se emaranhando neste vaso e formando o plexo carótico interno passando pelo gânglio ciliar e terminando no esfíncter da íris. A ação parassimpática é controlada pelo III par de nervos cranianos, o óculo-motor. Ele, além de ser responsável pela inervação da maioria dos músculos que movem nossos olhos, controla a contração do esfíncter da íris. Mas ao invés de apenas passar pelo gânglio ciliar, o nervo óculo-motor (pré-sináptico) faz sinapse neste gânglio para então se dirigir ao esfíncter da íris (nervo pós-sináptico). O III par de nervos cranianos emerge do crânio também pela fissura orbital superior.

Inervações simpática e parassimpática do olho

Com a anatomia descrita, quais as alterações encontradas e de que forma eu poderia ajudar minha amiga?
Do ponto de vista osteopático e relevante para a descrição do caso dela, uma avaliação de sua coluna cervical e torácica e mobilidade da sincondrose esfeno-basilar (ou SEB, é a articulação do osso esfenóide com occipital) e sutura occípito-mastóidea são de suma importância.
Primeiramente, a cervical, já que é o trajeto de todos os vasos que descrevi: artérias vertebrais e carótidas e veias jugulares e pela inervação autonômica simpática de olho (C0-C1-C2, C4 e T1 seriam pontos importantes para avaliação de mobilidade).
Com relação ao crânio, deve-se avaliar como está posicionada a SEB da paciente. No descritivo de toda a anatomia, conclui-se que um ponto chave do tratamento é o posicionamento da fissura orbital superior. Portanto, as alterações de flexão/extensão e torção da SEB, são tipos de disfunções responsáveis pelo estreitamento dessa região através do aumento da tensão da foice do cérebro (uma continuidade da dura-máter espinhal que é a camada mais externa que recobre nossa medula e encéfalo feita de tecido conjuntivo). Tomemos como exemplo, uma torção esquerda da SEB. Quando essa disfunção ocorre, a asa maior esquerda do osso esfenóide encontra-se mais alta (com o osso occipital mais baixo do lado direito) enquanto que a asa maior direita está mais baixa e o lado esquerdo do occipital mais alto.

Vista lateral do crânio com destaque à sutura occípito-mastóidea e ao osso esfenóide e sua asa maior.

Vista lateral da sincondrose esfeno-basilar.

Dessa forma, com essas alterações e o aumento da tensão da dura-máter há uma compressão do nervo óculo-motor e das veias oftálmicas gerando um desequilíbrio autônomo no controle da pupila o que justificaria a fotofobia relatada pela paciente (não havendo uma miose adequada e, consequentemente, havendo maior incidência de luz nos olhos, causando a aversão à luz) e a dor retro-ocular por congestão do sangue presente nos olhos, respectivamente. Junto com a compressão das veias oftálmicas, disfunções de flexão ou extensão do temporal (que podem prejudicar a mobilidade da sutura occípito-mastóidea gerando um aumento de tensão do tentório do cerebelo e diafragma da sela turca ou tentório da hipófise [também uma continuidade da dura-máter espinhal]). No primeiro caso, há diminuição da drenagem de todo o sangue intra-craniano pelo forame jugular através da veia jugular interna e no segundo, diminuição da circulação do seio cavernoso. A combinação desses dois fatores gera uma congestão sanguínea intra-craniana pode haver um aumento da pressão nessa região o que justificaria a cefaleia apresentada pela paciente.
O tratamento se baseou nas correções de todas essas disfunções. Obviamente, que elas serão feitas progressivamente em cada sessão. Como foi realizada apenas uma sessão, nem todas as disfunções puderam ser corrigidas ainda.
Espero que tenham gostado desse artigo. Achou muito técnico? Teve dificuldade para entender algum ponto? Comente ou me envie um e-mail. E se você se identificou ou sabe de alguém que sofre desses sintomas, marque um horário com um osteopata.
Comentários
7 Comentários

7 comentários :

  1. Parabéns Dr., artigo de excelente nível técnico

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  2. Parabéns pelo artigo. Já tinha desistido de buscar explicação para uma antiga dor no rosto/cabeça que eu sentia há anos, perto da têmpora, e graças a esse artigo fui num especialista em ortodontia na minha cidade e finalmente descobri que meu problema era na "articulação têmporo mandibular" (desculpe se escrevi errado, não sou da área médica). Estou tratando o problema desde então e já tive senti uma boa melhora. Muito obrigado.

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    1. Obrigado por sua mensagem. Fico feliz de mesmo à distância ter contribuído de alguma forma para o alívio de um sintoma que há tempos estava te afligindo. Abraços!

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  3. Gostei muito, é muito bom lermos artigos que nos ajudam a traçar uma linha desde anatomia ao caso clinico.

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  4. muito bom artigo gostei bastante! neste caso o tratamento baseou se em que técnicas especificas? Obrigada, aguardo resposta.

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  5. Tudo isso é real,só não podemos esquecer tb da lesão de fígado e vesícula.

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